MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS EM CUBA

Brás era um bom sujeito. Sempre fora estudioso, o orgulho da mamãe. Saiu do interior do estado do Paraná, de um lugarejo chamado Arapuã, aos 19 anos para ingressar no exército na capital, Curitiba. Ali, estudioso como era aproveitou a oportunidade e fez carreira militar. Na época os militares gozavam de muito prestígio no Brasil, pois eram eles os donos do poder. Brás era ambicioso, sonhava em galgar altos cargos e tornar-se um dia, quem sabe, presidente do Brasil.

Tudo ia bem em sua vida até que o regime militar deixou o poder. O movimento popular chamado "Diretas já" que tirou os militares do poder, ganhou força e a democracia voltou aos poucos a imperar no país. Com isso, Brás ficou desgostoso e viu seu sonho de se tornar presidente ruir. Então ele decidiu que não continuaria mais no serviço militar e pediu sua baixa. Brás via aos poucos um homem simples, um trabalhador do povo, um metalúrgico e líder sindicalista, que havia tido grande participação no movimento "Diretas já", destacar-se no meio político e resolveu aliar-se a ele. Filiou-se ao PT(Partido dos Trabalhadores) e vislumbrou novamente a oportunidade de galgar um grande cargo político e tornar-se presidente do país.

O sindicalista cresceu muito politicamente. Foi eleito deputado e disputou eleições para presidente e perdeu. Mais uma vez esteve engajado em outro movimento popular, o movimento dos "Caras pintadas", que levou o presidente da república da época a ter seu mandato cassado. Com esse acontecimento o sindicalista e agora amigo de Brás, Lula, como era conhecido, ganhou ainda mais força política e alguns anos mais tarde, finalmente foi eleito presidente do Brasil. Brás não acreditava no que acontecia. Ele, que sempre sonhou ser presidente do país, não era, mas era amigo chegado do próprio, de tomar cachaça juntos. Nunca se candidatou a nada porque não queria cargos considerados por ele menos expressivos. Certa vez seu amigo Lula incentivou-o a candidatar-se a deputado e ele recusou. A Senador e ele também recusou. Em outra feita, Lula apelou a que se candidatasse a governador, e novamente nada. Então o presidente resolveu nomeá-lo ministro chefe da casa civil no lugar de um "companheiro" que envolvera-se num esquema de corrupção denominado "mensalão" e mais uma vez ele recusou o convite.

Mas onde ia Lula, Brás ia com ele. Era um membro efetivo da comitiva do presidente. Conheceu o mundo viajando no Aerolula, como era conhecido o avião do presidente. O lugar que ele mais gostava de ir era Cuba. Foi para lá dezenas de vezes. Tornou-se amigo e confidente do então presidente Fidel Castro. E foi numa dessas idas a Cuba que Brás teve uma passagem inusitada que ele jamais contou a ninguém, porém deixou escrito para ser lida depois de sua morte, como segue:

"Numa de minhas viagens a Cuba, Fidel pediu-me para ficar mais alguns dias. Falei com Lula e ele consentiu, dizendo que o "companheiro" Fidel merecia que eu atendesse seu pedido. Pois bem, Lula e a comitiva vieram embora e lá fiquei com meu amigo. Conversávamos sobre tudo, ele me contava suas aventuras amorosas, suas paixões, falava da sua intolerância com os Estados Unidos e com as coisas dos países capitalistas e sobretudo de suas ambições. É, ele ainda tinha ambições, apesar de estar com a saúde um tanto debilitada. Falava como quem viveria para sempre e um dia dominaria o mundo. Fumávamos charutos diariamente. Passávamos o dia sem fazer absolutamente nada em sua biblioteca que parecia estar sempre pegando fogo, tal a quantidade de fumaça que saía pelas janelas. Ele tinha uma biblioteca enorme, com milhares de volumes de livros do mundo inteiro. Seus preferidos, claro, eram O Capital de Karl Marx e a biografia de Vladimir Ilitch Lenin que até receberam encadernação especial e lugar de destaque na estante principal da biblioteca.

Certa manhã perguntei-lhe por que motivo pediu-me para ficar mais alguns dias por lá e ele me respondeu:
-Sua companhia me faz muito bem. Para mim, você e o "camarada" Lula são como se fossem a mesma pessoa de tão parecidos. Como ele não pode ficar por causa dos compromissos oficiais, achei que seria bom ter a sua companhia. Venha, quero lhe mostrar uma coisa.
Senti-me honrado com a consideração de Fidel por Lula e por mim e curioso para ver o que tinha para me mostrar. Então, apertou um botão escondido em uma das estantes da biblioteca e uma porta abriu-se. Não pude acreditar no que via. Era um grande salão mobiliado com móveis de mogno da Amazônia, poltronas em peles de tigres asiáticos, cortinas em algodão egípcio e tapetes iranianos.
Havia aparelhos eletrônicos sofisticados e de última geração. Telão Sony de 80 polegadas com canais via satélite onde Fidel assistia a seus filmes e programas esportivos favoritos, e pasmem, americanos. Computadores HP com sistema operacional Windows onde ele batia papo com mulheres do mundo todo fazendo-se passar por um jovem galã morador de Miami. Centenas de litros de whisky Jack Daniel's. Vários refrigeradores abarrotados de Coca-Cola. Uma máquina de fabricar sanduíches instantâneos e outra de sorvetes Mc Donald's. Dezenas de flâmulas de times de baseball(Florida Marlins), basketball(Orlando Magic), football(Miami Dolphins) e até  hockey(Florida Panthers). Muitas máquinas de jogos eletrônicos e vídeogames onde os netos de Fidel jogavam.
Fiquei chocado e perguntei:
-Mas "companheiro" Fidel, o que é isso?
E ele, com sua costumeira calma, ajeitou o charuto no canto da boca e respondeu:
-Isso meu "camarada" Brás, é o modo de vida que eu sempre sonhei ter, mas que pela perda de uma aposta nunca pude.
-Como assim? Indaguei.
-Bom, quando jovem tinha um amigo, o Juanito. Nosso sonho era morar em Miami e apostamos quem deveria ir e quem deveria ficar e comandar uma revolução em nosso país. Eu perdi.
Sem palavras, olhei para uma das paredes do salão e vi algo que me comoveu profundamente: duas camisetas da seleção brasileira feminina de basquete, presenteadas por Hortência e Paula, uma bandeira do Brasil e uma camisa do Corinthians, presenteadas por Lula.
Depois disso ele me convidou para uma partida de futebol no seu brinquedo predileto, o Playstation.
Retornei ao Brasil e por um longo tempo não comentei nada com ninguém. Um dia, quando estávamos jogando uma pelada e tomando umas biritas na Granja do Torto, o Lula me perguntou:
-E então Brás, você ganhou ou perdeu?
-Calma Lula, o jogo ainda está no intervalo, tem mais um tempo para meu time dar a virada.
Lula me olhou com aquele olhar matreiro, tomou um teco e fuzilou:
-Você sabe de que jogo estou falando "companheiro". Do Playstation do Fidel, pô!
-Ah, aquele jogo. Perdi, claro.
E demos muitas gargalhadas".

Depois disso, Brás estava num avião em direção a Cuba onde iria fazer outra visita para seu amigo Fidel quando o avião perdeu-se no Triângulo das Bermudas. Brás não chegou a ver a ministra chefe da casa civil, que Lula nomeou depois de sua recusa, tornar-se presidenta do Brasil.