OS ANOS QUE NÃO VIVEU

Outro dia, enquanto enquanto almoçava, Alencar conversava com um amigo:


-Puxa, como deveriam ter sido bons os anos em que ainda não éramos nem nascidos. A simplicidade da época, o estilo de vida das pessoas, a inexistência de termos como “estresse”, “enxaqueca”, “fast-food”, “engarrafamento”, “celular”, “internet” entre outros. Ficaram ali um bom tempo tentando  imaginar vivendo na época de seus bisavós.


-Pois é, nem me fale, ando tão estressado com toda a correria da minha vida. - disse o amigo.

Imaginavam que as pessoas daquela época eram mais felizes porque não sofriam as pressões sociais de hoje. Ainda não havia a tv para corromper os costumes das sociedades. Cada qual vivia do seu próprio jeito, conhecia o seu próprio mundo e o que acontecia a poucos quilômetros de onde você estivesse, você só saberia muito tempo depois, de maneira precária, e ainda assim, talvez. As pessoas nasciam, cresciam, tornavam-se jovens, casavam-se, tinham muitos filhos, trabalhavam, envelheciam e morriam muitas vezes sem nunca terem saído de suas cidades ou vilarejos. O mundo era muito pequeno e ao mesmo tempo parecia muito grande, pois tudo acontecia tão distante. A rede de relacionamentos era baseada no núcleo familiar e mais alguns vizinhos próximos, outros mais distantes que se encontravam semanalmente nas igrejas ou apenas em ocasiões especiais como velórios ou casamentos. 


-Imagino como deveria ser gostoso o amanhecer ao som do canto dos pássaros, passar a manhã ouvindo o canto dos pássaros, o entardecer novamente ao som do canto dos pássaros e ao se deitar, ouvir uma coruja. No dia seguinte, acordar novamente ao som do canto dos pássaros, novamente passar a manhã ouvindo o canto dos pássaros, ver o pôr-do-sol ouvindo o canto dos pássaros e ao se deitar, o canto da coruja. Dia após dias aquela paz e tranqüilidade... - falou Alencar.

Nesse momento se olharam, o silêncio tomou conta da conversa. Seus semblantes estavam estranhos, pareciam um tanto desmotivados, Olharam-se novamente um para o outro, e agora com espanto. De repente o silêncio foi quebrado pelo toque do celular de Alencar. Era da empresa, haviam problemas a resolver e ele deveria retornar imediatamente. Olhou para o amigo novamente e agora seu semblante estava mudado, como se aquele telefonema o tivesse despertado de um sono letárgico. Seu rosto se iluminou. Foi aí que olhou para o relógio e viu a hora, então se lembrou do compromisso e que já estava atrasado, que precisava se apressar. Nesse momento ele abriu um sorriso e disse ao amigo:
-Bem vindo à vida! Bem vindo ao século 21, com sua tecnologia, seus estresses, fast-foods, engarrafamentos, celulares, internet e tudo o que temos direito”!
-Bem vindo você também - disse o amigo.


E lá foram eles ao encontro de seus problemas, apressados, mas felizes!